sexta-feira, 7 de agosto de 2009

LER E ESCREVER A IMAGEM EM ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS


O domínio de diferentes códigos e linguagens, que permitam a interação do estudante com múltiplas paisagens e grupos sociais, é um diferencial na educação e na própria constituição da cidadania. Neste sentido, a educação contemporânea destaca a essencialidade da leitura e da escrita como capacidades para interpretar e compreender as diversas manifestações socioculturais, no contexto identitário dos sujeitos.

Esta é uma meta a ser alcançada pelas diferentes áreas do conhecimento, através da expansão do conceito de leitura e de escrita, ao transgredir o senso comum dos conhecimentos escolares. Tal expansão deriva da compreensão de que ler e escrever não se instituem como meros instrumentais de codificação e decodificação dos signos alfabéticos, mas são inseridos num universo mais amplo de possibilidades onde, como afirma Freire (1993), ...a leitura do mundo precede a leitura da palavra, e a leitura desta implica a continuidade daquela. Decorre desta compreensão a possibilidade de abordar neste texto o que significa ler e escrever em áreas do conhecimento que, usualmente, não têm sequer a leitura e a escrita da língua materna como sua especifici­dade: Arte, Ciências e Geografia.

A tradição escolar das Ciências e da Geografia, por exemplo, vincula-se à descrição repetitiva do texto e da imagem; as aulas de Arte permanecem como “atividades do fazer gráfico/plástico” de crianças e adolescentes, dominantemente afastadas da produção da arte no mundo, isto é, excluindo os estudantes da experiência com a arte produzida, “da leitura do mundo da arte”. Soma-se a este afastamento, a contínua exclusão das imagens das mídias presentes na realidade como repertório a ser considerado, bem como a produção plástica de grupos sociais territorialmente afastados, socialmente excluídos ou desconsidera­dos, minoritários ou dominados.

Torna-se urgente pensar sobre o que é ensinar para alunos que nasceram e que vivem na “época das incertezas”, num mundo em constante transformação. É preciso que nós, professoras e professores de diferentes áreas do currículo escolar, pensemos sobre o que é ler e escrever hoje. De que leitura e que escrita falamos? Que textos podem ser lidos e/ou escritos nas diferentes áreas do conhecimento? O que entendemos por texto?

Usualmente realizamos a leitura de textos publicados em revistas e jornais sobre assuntos variados, que envolvem o ambiente, a saúde, notícias sobre a “descoberta” de uma substância nova, por exemplo, na área das Ciências. Na área da Geografia são leituras de textos que tratam de ocupações e disputas territo­riais, crises econômicas e culturais, desastres ambientais. Em relação às aulas de Arte, até muito recentemente a leitura restringia-se, quando existia, a aspectos vinculados à história da arte, uma vez que o domínio desta área era caracterizado pelas práticas do ateliê.

A leitura dos textos e dos livros didáticos é a fonte para a resolução de um questionário, para estudar para a prova ou para a pesquisa e realização de um trabalho escolar. Tais textos, utilizados como fontes de informação, podem ser pensados a partir do que Larrosa (1999, p. 177), em seu livro Pedagogia Profana diz:

Na leitura da lição não se busca o que o texto sabe, mas o que o texto pensa. Ou seja, o que o texto leva a pensar. Por isso, depois da leitura, o importante não é que nós saibamos do texto o que nós pensamos do texto, mas o que – com o texto, ou contra o texto ou a partir do texto – nós sejamos capazes de pensar.

Os textos, portanto, podem ser utilizados para que alunos e alunas e nós mesmos possamos pensar/falar/escrever sobre o sentido daquilo que produzem. Mas é possível lermos de um outro jeito? É possível ler o que as imagens que compõem o livro nos permitem pensar e escrever, considerando a imagem como um texto indispensável para a leitura nas diferentes áreas, no caso presente Ciências, Geografia e Arte?

Nos últimos vinte anos, o conceito de leitura vem sendo crescentemente usado em Arte, Ciências e Geografia, no sentido que também imagens e não apenas palavras podem ser lidas e, conseqüentemente, consideradas “um texto”. Não restringir a leitura à palavra evidencia a expansão do conceito, das linguagens e das finalidades, envolvendo todas as leituras e escritas que um indivíduo faz durante sua vida, tal como Paulo Freire enfatizou em sua obra.

Ler e escrever em Arte

Desde o final da década de 80, o conceito de leitura vem sendo incorporado ao ensino da Arte através da disseminação das idéias de Ana Mae Barbosa, apresentadas sob a denominação de “abordagem triangular”. Esta abordagem fundamenta-se na concepção de que a arte não é somente expressão, mas é conhecimento e seu ensino, conseqüentemente, exige mais do que a exclusiva prática de ateliê. Exige a articulação de três eixos – a produção, a leitura e a contex­tualização – que correspondem às relações que as pessoas estabelecem com a arte na realidade: produzir, apreciar e julgar suas qualidades e entender o lugar que a produção artística ocupa em diferentes tempos e espaços ao longo da história.

Autores como Robert Ott, Abigail Hausen, Parsons, Ragans e Saunders1 trataram da leitura de obras de arte, mas o mais conhecido no Brasil é Edmund Feldman, que também entende a leitura em arte como “um processo de compreensão”.

De acordo com Feldman, as crianças pequenas consideram que as imagens são para serem olhadas e não podem ser lidas, ou seja, texto e imagem são diferentes e apenas o primeiro permite o ato da leitura. Entretanto os artistas, os críticos de arte e os publicitários, que compartilham o cotidiano com a imagem, realizam constantemente e conscientemente leituras destes objetos.

A leitura da imagem é uma atividade simbólica que supõe compreensão, apreensão de informações, seletividade e reconstrução da imagem/objeto, com a mesma importância da produção artística na construção do conhecimento porque possibilita interpretar as imagens. Não significa decifrar, mas decompor-recompor para apreender a imagem como fonte de conhecimento, de informação, de explicitação de idéias e conceitos.

Quatro estágios ou etapas, não evolutivos mas simultâneos, são propostos por Feldman para a leitura da imagem.

O estágio da descrição envolve uma listagem de tudo o que se vê na obra –imagem/objeto – por meio de uma observação atenta e objetiva dos elementos que a compõem. Inclui a identificação do trabalho, quem o produziu, local, época, linguagem e material utilizado, dimensão. Não inclui expressões de ponto de vista: harmonioso, elegante, bem sucedido, inadequado, sutil...

Tomando por exemplo a conhecida obra de Portinari, “Os retirantes”, Kerwald (1998) assim organiza este estágio:

O que você vê nesta imagem? Quan­tas pessoas? Que outros elementos? Que cores você vê? Que texturas estão presentes”?

O estágio da análise busca as relações criadas entre os elementos formais e princípios compositivos da imagem, como elas se relacionam, se influenciam, estão dispostas: volume x espaço, figura x fundo, claro x escuro, as diferentes combinações visuais criadas. Seguindo a proposição de Kehrwald (1998), é possível aguçar o olho do aluno através das perguntas: “Você identifica movimento na obra”? Há uma figura central? Há algum elemento de desequilí­brio? Como é o tratamento da cor em relação às formas? Tem contraste, volume? Como é o fundo?

O estágio da interpretação busca encontrar o significado da imagem pela atribuição de sentido ao que foi observado anteriormente, organizando as observações de modo significativo ao relacionar idéias que explicitam sensações e sentimentos vividos diante de uma imagem.

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